Tal como se temia, o STF se deixou influenciar pela pressão externa e
politizou um processo que deveria ser jurídico. A única surpresa foi a
atmosfera de espetáculo criada pelos integrantes da Corte. Além da
transmissão das sessões ao vivo pela televisão, propiciando um nutrido
desfile de egos inflados, exibições de erudição jurídica e aulas de
moral e bons costumes, o que se viu foi uma rajada de inovações na
interpretação a aplicação de alguns pilares básicos do Direito. Para
começar, se aboliu a exigência de provas para condenar parte dos
acusados. O artigo é de Eric Nepomuceno.
Eric Nepomuceno - Página/12
(*) Artigo publicado originalmente no jornal Página/12, da Argentina.
Rio de Janeiro - O mais ruidoso e
pressionado julgamento da história recente da Corte máxima do Brasil
está chegando ao seu final. Os condenados buscarão brechas para apelas
das sentenças, enquanto juristas e analistas políticos tratam de medir
as consequências do que ocorreu até aqui.
A única coisa que falta agora é o Supremo Tribunal Federal brasileiro
estabelecer as penas dos condenados. Foi um julgamento atípico, que
transcorreu sob a insólita pressão dos meios de comunicação, com o
aplauso frenético de setores das classes médias conduzidas pela mão dos
grandes grupos midiáticos e que termina sem maiores surpresas. Tal como
se temia, o STF se deixou influenciar pela pressão externa e politizou
um processo que deveria ser exclusivamente jurídico.
A única surpresa foi a atmosfera de grande espetáculo público criada
pelos próprios integrantes da Corte. Além da transmissão das sessões ao
vivo pela televisão, propiciando ao respeitável público um nutrido
desfile de egos inflados, exibições de erudição jurídica e aulas de
moral e bons costumes, o que se viu foi uma rajada de inovações na
interpretação a aplicação de alguns pilares básicos do Direito.
Para começar, se aboliu a exigência de provas para condenar parte dos
acusados. Ficou estabelecido o preocupante precedente que permite que,
na hora de julgar, se aceite ilações, suposições, e que a Corte se deixe
induzir pela pressão midiática, que permita que os trabalhos sejam
politizados.
Alguns dos magistrados chegaram a condenar, em seus votos, os
malefícios das alianças formadas para que exista um governo de coalizão.
Ou seja, mais do que julgar supostos crimes e delitos, se deram ao luxo
de julgar a própria política.
Ficou estabelecido, além disso, que aos senhores juízes está
permitido, na hora de emitir voto e sentença, exibir rotundas doses de
sarcasmo, em comentários que mostram muito mais seus rancores e traços
ideológicos do que equilíbrio e equidade.
Essas inovações surgiram com ímpeto na hora de julgar o chamado
“núcleo político” do esquema de distribuição de dinheiro para cobrir
gastos da campanha política de 2002, que além de eleger governadores,
deputados nacionais e senadores, levou Luiz Inácio Lula da Silva e seu
Partido dos Trabalhadores à presidência da República.
O caudaloso fluxo de dinheiro não declarado é uma prática velha – e
por certo muito condenável – na política brasileira. Mas, ao menos até
agora, era um assunto da Justiça Eleitoral.
A peça acusatória, levada ao Supremo Tribunal Federal pelo Ministério
Público, assegurava que, mais do que essa velha prática, tratou-se da
compra de votos de parlamentares para que fossem aprovados projetos
legislativos de interesse do governo. Não houve nem há nenhuma prova
minimamente concreta disso. Acusou-se o PT e seu então presidente, José
Genoino, por alguns empréstimos bancários. O PT provou que os
empréstimos foram registrados, de acordo com a legislação eleitoral,
renegociados e, finalmente, pagos. Acusou-se José Dirceu, homem forte do
partido e estrategista da vitória de Lula, de ter engendrado um esquema
de compra de parlamentares.
Um dos “argumentos” da acusação foi dizer que, como chefe da Casa
Civil, ele recebia dirigentes políticos aliados do governo, como se não
fosse exatamente essa sua função. Não há uma miserável prova nem de sua
participação nem da existência de tal esquema.
Há, isso sim, evidências e indícios concretos de desvio de fundos
públicos, principalmente do setor de comunicação e publicidade do Banco
do Brasil e um intenso jogo de interesses por parte da banca que
repassou fundos ao tesoureiro do PT. Mas não houve nem há uma única e
solitária prova de que as duas principais figuras políticas acusadas,
José Genoino e José Dirceu, tivessem participado da trama.
A última condenação de Dirceu, por formação de quadrilha – a outra
foi por corrupção ativa – resultou de uma decisão dividida (seis votos a
quatro), o que, ao menos em tese, lhe dá o direito de apresentar
recurso contra a decisão. Na condenação por corrupção ativa, não: teve
dois votos favoráveis e oito contrários.
Seja como for, as consequências políticas do julgamento ainda não se
fizeram sentir. Pelo contrário: nas últimas eleições, o PT conseguiu
aumentar seu caudal de votos e está a ponto de reconquistar a prefeitura
de São Paulo, derrotando mais uma vez a José Serra, que, em duas
ocasiões, teve seus sonhos presidenciais fulminados, a primeira por Lula
em 2002 e a segunda por Dilma Rousseff em 2010.
Nem Dirceu nem Genoino deixarão de ter peso específico nas decisões
do partido. Dirceu, especialmente, seguirá sendo um dirigente de forte
expressão, apesar de ser brutalmente hostilizado e vilipendiado pela
grande imprensa e pelas classes médias ávidas por extirpar do horizonte
político o PT, Lula e a esquerda em geral.
Juridicamente, será preciso esperar para ver até que ponto as
esdrúxulas inovações desse julgamento midiático, transcorrido sob
pressões inéditas, criarão jurisprudência no futuro. A essa altura, a
maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal, principalmente o
relator do processo, Joaquim Barbosa, contam com o aplauso iracundo dos
grandes meios de comunicação e de setores das classes médias. É preciso
ver quanto tempo durará essa euforia.
Enquanto isso, a impunidade dos poderosos segue intacta
no Brasil. Os métodos delituosos de financiamento das campanhas
eleitorais, também. E dois veteranos combatentes das lutas populares,
José Dirceu e José Genoino, que nos tempos da ditadura foram vítimas de
tribunais de exceção (o primeiro foi expulso do país, o outro sofreu
cinco anos de prisão e tortura), são agora vítimas de um julgamento de
exceção.
Há uma assustadora diferença: antes havia uma ditadura.
Agora, se vive em democracia. Todo o resto, para eles, tem sido igual,
ou quase. Ao menos, desta vez, a tortura não é física.
Retirado de: Luis Nassif
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