quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Editorial: Professores, uma conta bizarra



A polêmica em torno da devolução, pelos professores temporários, do dinheiro que o governo estadual lhes pagou a mais é bizarro, uma anormalidade, considerando-se que um dos maiores problemas da precária educação brasileira está justamente na carência de professores do ensino fundamental. Pesquisas já feitas sobre a vocação das nossas crianças mostram essa realidade com crueza. Perguntadas sobre o que desejam ser quando crescerem, raríssimas delas respondem que pretendem seguir a carreira do magistério. Mas se referem, na verdade, à condição de professor universitário.

Essa é a verdade. Entre meninas e meninos do Brasil dos últimos anos, ninguém pensa em alfabetizar, em ensinar aritmética, e é essa uma das maiores falhas – se não a maior – da educação brasileira. Cabe às autoridades conscientes dar todo estímulo à carreira de professor do ensino fundamental, para que nosso país se livre do lamentável, mas verdadeiro, registro de que mais de metade dos nossos alunos do terceiro ano não entendem o que leem. Conhecem as letras, sabem formar a sílabas, são capazes de repetir em voz alta o que está escrito na lousa, no caderno, mas não entendem.

Num momento em que a economia brasileira cresce como uma das maiores do mundo, ficando à frente até do Reino Unido pela medida do PIB (Produto Interno Bruto), é essencial reforçar o ensino básico. O mundo criou expectativas em relação ao que pode produzir a economia brasileira, mas não vamos corresponder a tal expectativa com uma legião de analfabetos fundamentais que, além do mais, não dominam as quatro operações da aritmética. Precisamos dramaticamente de professores do ensino fundamental.

Precisamos de professores motivados por condições de trabalho favoráveis, por remuneração que desperte a atenção dos melhores, por ideais que mantenham acesa a chama da vontade de participar de maneira decisiva para o crescimento do país, para a consolidação do Brasil como grande potência ainda na primeira metade do século 21, como já foi previsto por economistas internacionais sérios. O bom professor do ensino fundamental tornou-se, sem dúvida, um artigo de primeira necessidade para o Brasil.

Não é essa, entretanto, a percepção das nossas autoridades. Existe, nessa polêmica sobre devolver dinheiro pago a mais, uma questão básica, elementar: se é dinheiro público, não pode ficar no bolso desse ou daquele indivíduo. Mas, quando esse indivíduo é um professor, cabe às autoridades buscar soluções mais nobres. Não poderiam permitir que tivéssemos chegado a esse ponto de o professor ter de descontar um décimo de sua remuneração, até reembolsar o tesouro estadual, como estava previsto até a Apeoesp conseguir uma liminar cancelando a cobrança.

Por: Diário de S. Paulo, 21/01/2012

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