Pesquisa com base em mutação genética traz uma possibilidade real de cura para a hemofilia B. Foto: Galería fotográfica oficial de la Administración Nacional de la Seguridad Social. |
Criar uma mutação genética em um ser humano para corrigir um defeito
estrutural e curar uma doença grave pode parecer um cenário futurista,
mas essa realidade está cada vez mais próxima. É o que indica um estudo
de pesquisadores britânicos e americanos em fase pré-clínica apresentado
na semana passada no 53º encontro anual da Associação Americana de
Hematologia em San Diego, nos Estados Unidos.
A pesquisa, uma entre os mais de quatro mil trabalhos de cientistas
de todo o mundo, incluindo brasileiros, traz uma possibilidade real de
cura para a hemofilia B, uma doença genética sanguínea causada pela
falta ou produção defeituosa do fator IX, proteína responsável pela
coagulação. Sem a substância, há elevada probabilidade de sangramentos
graves, que podem causar danos permanentes a músculos e ao cérebro, por
exemplo.
Iniciado há mais de dez anos pelos médicos Andrew Davidoff e Amit
Nathwani, o estudo injetou nos pacientes uma única dose de um vetor
viral com o gene correto do fator IX para estimular a produção da
proteína pelo fígado. Como resultado, os seis participantes conseguiram
gerar níveis terapêuticos suficientes da substância.
Quatro deles abandonaram o tratamento convencional, injeções ou
infusões frequêntes do fator IX, e continuam sem sangramentos
espontâneos. Os outros estudados aumentaram espaçamento entre as doses
da proteína.
“Esperamos que o estudo possa levar à cura, mas ainda precisamos
confirmar se os resultados expressivos se manterão em alguns pacientes”,
diz Nathwani a CartaCapital.
O cientista diz que o trabalho é o começo de uma cura e aponta a
necessidade de aperfeiçoamento e desenvolvimento de novas tecnologias
para garantir o sucesso do experimento como um dos principais obstáculos
da pesquisa. “Temos diversas interações deste teste que estão em
andamento e esperamos poder apresentar nos próximos anos os resultados
completos e mais rápidos.”
No estudo, os voluntários possuíam menos de 1% dos níveis normais de
fator IX no sangue, mas após o tratamento os valores passaram para
índices entre 2% e 11% da carga normal.
Resultados animadores, mas ainda preliminares, destaca José Mauro
Kutner, gerente médico do Departamento de Hemoterapia do Hospital Albert
Einstein, presente no congresso. “Ainda são poucos casos estudados e a
quantidade de proteína produzida é pequena, mesmo tendo possibilitado
uma melhor qualidade de vida aos pacientes.”
Ao todo, os voluntários foram divididos em três duplas com dosagens
diferentes. Após um acompanhamento de seis a 16 meses depois do
tratamento, os indivíduos que tomaram a maior dose tiveram os melhores
resultados, mas também desenvolveram problemas assintomáticos, como uma
leve alta das enzimas do fígado, controlados com esteróides e sem a
perda dos resultados alcançados.
Carmino de Souza, diretor do Hemocentro da Unicamp, diz que é preciso
ficar atento aos efeitos colaterais dos estudos gênicos. “Já houve
incidentes de pesquisas com essa tecnologia que culminaram na morte de
diversos hemofílicos nos EUA.”
Além disso, o especialista destaca que a pesquisa ainda está em “fase
embrionária”. “Essas técnicas demoram décadas para serem utilizadas em
larga escala, pois esse é um jogo de tentativa e erro”, explica
a CartaCapital.
Kutner aponta, porém, que apesar de a utilização de um vírus
modificado ser potencialmente perigosa, o trabalhado dos pesquisadores é
relevante. “Sempre que há um estudo novo, os participantes sabem que é
uma tecnologia recente e os riscos são altos.”
Segundo Nathwani, os testes não foram feitos com pacientes de
hemofilia A devido à maior complexidade desta variedade da doença, mas
futuramente poderia estender a pesquisa.
De San Diego
Fonte: Carta Capital
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Faça seu comentário nesta postagem!