Brasília – Pelo menos uma vez por mês, a paranaense Bénie Bussmann,
37 anos, precisa ser hospitalizada. O quadro é dores intensas no abdômen
e nas costas, além de náuseas. Os remédios aliviam os sintomas, mas não
evitam novas crises. Essa rotina já dura cinco anos. Bénie é uma das
brasileiras que sofrem de porfiria aguda, uma doença rara causada pela
deficiência de uma enzima relacionada à hemoglobina.
Bénie sofreu a primeira crise de porfiria - doença hereditária - aos
15 anos de idade. Porém, o diagnóstico só foi confirmado há oito anos.
Não se sabe ao certo quantas pessoas no mundo têm porfiria. Acredita-se
que uma a cinco pessoas em cada 100 mil habitantes podem desenvolver
algum tipo do distúrbio metabólico. No Brasil, a estimativa varia de
1.900 a 9.500 pessoas.
A subnotificação e o fato de não afetar tantas pessoas em comparação
a outras enfermidades levam as doenças raras a serem desconhecidas até
mesmo dos próprios médicos, resultando no diagnóstico tardio ou
equivocado. Em alguns casos pode demorar 20 anos para a constatação de
que uma pessoa sofre de doença rara. Em uma das crises, Bénie conta que a
dor era tão intensa que um médico queria submetê-la a uma cirurgia.
Devido à porfiria, Bénie diz não ter tanta energia para fazer várias
atividades e lembra que tem de tomar constantemente remédios para
controlar as dores. Ela evita alguns tipos de medicamento, como
analgésicos, que são verdadeiros estopins para uma crise. “Me sinto
fraca, o braço treme e são fisgadas de dor. Não consigo nem tomar um
gole de água que já sinto náuseas”, relata.
Nos momentos mais críticos, precisa ficar internada por vários dias,
afastada do trabalho de pedagoga na rede pública de ensino em Curitiba.
Além das dores, ainda tem de lidar com o preconceito em relação à
doença. “Uma vez, uma colega deu uma indireta de que eu não iria
trabalhar só por causa de uma dor na barriga”, conta Bénie, que é
vice-presidenta da Associação Brasileira de Porfiria.
As mudanças de hábitos impostas pela doença afetaram também a vida
pessoal da pedagoga. “Ele [o ex-marido] descobriu junto comigo a doença e
não conseguiu lidar. Acho que não deu conta de lidar com a pessoa em
que me transformei”.
No Dia Mundial das Doenças Raras, lembrado hoje (29), Bénie e outros
brasileiros chamam a atenção para as dificuldades de enfrentar uma
enfermidade que quase ninguém conhece. Entre elas estão a falta de
médicos, laboratórios e hospitais especializados e o alto custo do
tratamento - a maioria dos remédios não está disponível no Brasil e
precisa ser importada.
“É de absoluta necessidade a conscientização da classe médica e da
população em geral sobre os sintomas e o tratamento”, alerta Raquel
Martins, presidenta da Associação Brasileira de Portadores de Angiodema
Hereditário - doença genética que provoca inchaços em vários partes do
corpo, inclusive na laringe.
Para ter acesso à medicação, muitos pacientes têm recorrido à
Justiça. Apenas em 2011, o Ministério da Saúde desembolsou R$ 167
milhões para atender a 433 ações judiciais que determinavam a compra de
remédios para pessoas com doenças raras.
Há três anos, o governo federal lançou a Política Nacional de
Atenção Integral em Genética Clínica com o objetivo de criar uma rede de
assistência a pessoas com doenças raras, inclusive com centros de
aconselhamento genético. Segundo o Ministério da Saúde, o entrave é que
existem 5 mil alterações genéticas que podem levar à ocorrência dessas
doenças. A maior parte delas não tem cura e nem tratamento com eficácia
comprovada, e os remédios servem para amenizar os sintomas, segundo a
pasta.
Atualmente, 80 hospitais são equipados para consultas em genética
clínica e realizaram mais de 71 mil atendimentos no ano passado. Os
gastos com exames de laboratórios e consultas somam cerca de R$ 4
milhões por ano, conforme o governo federal. Já existem protocolos com
orientações para indicação de remédios e exames pelo Sistema Único de
Saúde (SUS) para 18 tipos de doenças raras.
Na avaliação de entidades que representam pacientes com doenças
raras, o atendimento precisa ser personalizado diante das demandas
específicas. “A criação de um centro de referência em doenças genéticas
com atenção especial, tratamento diferenciado, com orientação à família e
com profissionais capacitados seria uma boa pedida. Não é algo tão
impossível de fazer”, cobra Valério Oliveira, presidente da Associação
Brasileira das Pessoas com Hemangionas e Lifangiomas - má-formação
vascular que resulta em manchas avermelhadas no rosto.
Por Carolina Pimentel
Repórter da Agência Brasil
Repórter da Agência Brasil
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